sexta-feira, 31 de julho de 2009
o grão que nasce
e dos meus prédios
na distância entre o real
e o disléxico
no grau que afasta meus
pés
da minha miopia
em tudo
é mais
~
a janela
seu vidrinho
verde
sua origem
inventada
plantam o amor
na minha bolsa
levo pra casa
e mais nada.
~
e um poema miúdo nasce
no mundo mudo
poema mudo
e tão desnudo
de carne
e ócio
se lança
no nada
e nasce:
o grão que cresce, o grão se instala
com quantos grãos se faz uma canoa?
com quantos grãos se faz uma pessoa?
com quantos grãos - se faz uma pessoa?
com quantos grãos (se) faz uma pessoa?
~
um rizinho de devagar e
barulhento feito corre de criança
cresce no ventre pequeno do verde
mesmo tom do meu vestido
onde um porquê se inventa
delicado
até se perder
em outras memórias
de maçã e canela
e se abrir
sobre o tempo
e as pedras.
~
inteiro, um grão me veste
e no mesmo portanto
despe meu corpo de fala
e cobre os porquês do tempo
e em meio ao avesso passa
como quem absorve a pele,
inesperado
e por mudo entendimento
aceito
que ser pequeno
basta.
o grão que reproduz, o grão que fala
atravesso meu músculo
esgotado e sóbrio
as canecas e cigarros
os sapatos e casacos
compreendem
sem palavras.
vivo um amor que nunca guardo
deixo cair nas calçadas
e pessoas descalças
(nas avenidas guardadas
nas sombras das marquises
nos ladrilhos que se perdem
nas plantas que morrem
no suor das janelas
no cansaço dos pontos de ônibus
debaixo da porta vizinha)
p'ra reciclar os motivos
que o amor não tem
p'ra existir,
e ele se inventar de novo.
~
desbota sua cor no meu vestido
pelo amor de deus
diz no meu ouvido
mais uma maluquice azul
não peça p'reu guardar cuidado
ou refletir angústia nos meus dias gris
desfaz meu corpo em um recado
me pinta um romance
cheio de nuances
e me faz feliz.
~
a rua deserta
chupava meus passos
ficava com a vida
que eu mancho com os pés ao andar
nos grãos do chão
atrás do chão
embaixo da terra
embaixo do grão do chão.
~
meu passado e meu futuro:
mortos,
obsoletos fatos
que palpitam no meu músculo,
rubro e
pasmo e
gasto.
acontece mais um portanto
passo;
no silêncio que maltrata,
o minuto.
no meu estômago que enlata os defeitos,
e cospe com a minha mão direita.
e atravessa os motivos a distância
entre as respostas
e as perguntas
que invento:
tentando absorver o tempo,
enquanto nem um pouco obstante
misturo tudo ao teu retrato
e ato
ao átomo do meu peito
inato.
~
deixo por fim
caírem as palavras
que se soltam
palavras amarelas
que se buscam
e se beijam
debaixo da minha cama.
o grão que morre, o grão que cala
emudece o grão
mistura de madeira viva
da canoa dos seres vivos do norte
mesmo grão da janela de todos
mesmo chão
material que sustenta o açoite
e aplaca o abate do mesmo animal
e desbota em tons de azul
toda vez
que percebo o que vejo diminuir.
~
desmancha-te sobre o grão
que te carrega
e te alimenta
e está sob teus pés.
transforma-te em grão,
entrega-te como um grão
ao mundo.
~
sê
miúdo.
e antes de mais nada
é preciso:
lembrar de cada grão
e tropeçar
no
amor de grão
e no
tempo;
e ver-se
mover-se
mesclando:
romances pequenos
e gastos:
com as entranhas dos objetos,
p'ra então (mesquinhamente) se perder.
o pólen que liberta
não posso maltratar esse instante